Wednesday, June 21, 2006

O PT e a Estratégia Gramsciana - I

Gustavo Escher
especial para O Anti-Gramsci. gescher@hotmail.com

Resumo: As idéias de Gramsci, aplicadas em escala maciça por intelectuais orgânicos através da “conquista dos espaços”, hipnotizaram grande parte do povo brasileiro, permitiram a completa inversão dos valores que hoje vemos, e, consequentemente, a chegado do PT ao poder.

Introdução

Uma revolução silenciosa está em curso na alma de muitos brasileiros. O responsável é um ex-líder operário, proveniente de uma região pobre de um país católico e cheio de desigualdades... mas calma, não é o presidente Lula. Nosso governante, sabendo ou não, é apenas mais um de seus arautos.

Alguns resultados dessa revolução já são visíveis: muitos ricos sentem vergonha de ser ricos, sofrendo de um complexíssimo complexo de culpa, parecido com o do governador de SP; banqueiros e empresários idolatram comunistas e bandidos, como se fossem santos e heróis do povo; o roubo e a invasão de propriedade estão justificados se for por uma causa justa; do mesmo modo, um crime contra a vida cometido por um pobre zé-ninguém marginalizado é menos grave que uma verba desviada por alguém de bom nível sócio-cultural, como se o patrimônio valesse mais que a vida humana; a polícia deve medir suas ações e moderar o uso da força contra os bandidos, pois, coitados, já sofreram demais na vida; estudantes,que mal podem compreender um livro ou um regra gramatical, sabem de cor os responsáveis pelas injustiças do mundo e, melhor ainda, sabem até como resolvê-las; consagram-se, na mídia, na constituição¹, e na boca do povo, expressões como “justiça social”, “função social”, “inclusão social”, “dever social”, mas ninguém sabe muito bem, ou fingem não saber, o que significam, o importante é lutar por eles na construção de uma “sociedade solidária” e depois ir para a cama com a consciência tranqüila de quem está contribuindo para o melhor da humanidade. E por aí vai...

Contudo, nada disso é fortuito, nada ocorreu por acaso. Por trás desse mar de atitudes aparentemente desconexas há um nome, um nome sagrado nas universidades brasileiras e nos círculos intelectuais petistas: Antonio Gramsci. Tentaremos resumir aqui como coisas tão diversas têm suas raízes comuns na obra do fundador do Partido Comunista Italiano. Ele é a poisonous tree que contamina a sociedade com seus frutos, belíssimos por fora, mas podres por dentro.

Resumo da estratégia gramsciana² e sua atuação e influência em diversos campos

É importante estudar Gramsci porque ele é o teórico da nova estratégia comunista de tomada do poder. E para colaborar com essa estratégia não é preciso ser de esquerda ou acreditar no socialismo, basta aceitar e repetir os lugares-comuns da retórica esquerdista que, em breve, você estará agindo e pensando, quase que por prestidigitação, como um verdadeiro socialista.

Ao contrário da teoria leninista de tomada violenta do poder através do golpe de estado, Gramsci defendia uma lenta revolução psicológica, que primeiro atingisse a mente dos homens e, assim, fosse aos poucos preparando o terreno para a tomada real do poder. Seu objetivo era fazer com que as pessoas pensassem e agissem como comunistas antes de viverem num verdadeiro estado comunista. Esse domínio psicológico sobre as massas Gramsci chamou de hegemonia. Dessa forma, gramscismo significa conquistar primeiro a hegemonia para depois conquistar o poder, este entendido como o controle do aparelho do estado, da polícia, etc. Como afirmou Olavo de Carvalho³, a estratégia leninista está para a gramsciana assim como o estupro está para a sedução.

Na luta pela hegemonia o importante é transformar o “senso comum” dos homens. Senso comum, para Gramsci, são os hábitos, os gestos, os modos de falar, as atitudes mentais conscientes ou inconscientes, que são comuns a todos os homens. É o “Deus me livre!”, o “Jesus!”, comuns a todas as classes, ricos ou pobres. Gramsci quer, justa e sutilmente, alterar esse fundo comum, mais sentimental e imaginativo que racional, e, na civilização ocidental, nitidamente cristão. Nessa transformação os intelectuais têm um papel fundamental.

Para Gramsci todo homem é um intelectual, mas para a mudança da sociedade Gramsci divide os intelectuais em dois tipos. Há o intelectual tradicional ou inorgânico, que não têm ideologia de classe nem classe definida, e há o intelectual orgânico, esse sim o ideal de intelectual gramsciano e responsável pela transformação do senso comum. Os orgânicos cumprem uma função organizadora na sociedade e estão conscientes de sua posição de classe. Podem exercer as mais diversas profissões, em qualquer campo, podendo ser desde padres a ministros do estado. Porém, em comum possuem a missão de reorganizar o senso comum através da criação de novos símbolos, imagens e idéias que moldem a consciência das massas.

Milhares de intelectuais orgânicos atuando sem vínculo político aparente e em diversos canais é muito mais eficiente para a conquista da hegemonia, principalmente se aparentam não receber ordens de um comando central. Através de jornalistas, pedagogos, artistas, pode-se, imperceptivelmente, inocular novos sentimentos, novas palavras, novos hábitos, que vão, lentamente, substituindo os antigos valores e princípios. Gramsci sabia que a pregação sutil camuflada é muito mais eficiente que a pregação aberta. Uma seqüência bem editada de notícias no telejornal pode produzir o efeito desejado, como, por exemplo, mostrar uma reportagem sobre a fome no nordeste ou na África depois de outra que mostrava os problemas causados pela obesidade em São Paulo ou em países ricos. A conclusão nas cabeças dos telespectadores será quase imediata: “Que mundo injusto. Uns com tanto, outros com tão-pouco” ou “O capitalismo é mesmo perverso!”. A adesão em massa dos brasileiros ao bom mocismo esquerdista e ao politicamente correto deve-se, em parte, a esse tipo de estímulo contraditório, como veremos adiante.

Dessa forma, afirma Olavo de Carvalho4, “basta que intelectuais comunguem, ainda que vagamente, com o espírito revolucionário gramsciano, para que, numa espécie de cumplicidade implícita, cada qual realize sua tarefa e todos os resultados venham a convergir na direção dos fins gramscianos”. Como se não bastasse, Gramsci propõe ainda que os intelectuais orgânicos substituam os antigos princípios e valores da humanidade por outros baseados no conceito de “historicismo absoluto”. O historicismo absoluto é a eliminação do critério tradicional de verdade e falsidade na busca do conhecimento objetivo, e sua substituição pela mera “adequação” das idéias a um determinado estado de luta social. Para uma teoria ser verdadeira, por exemplo, exigir-se-ia apenas que expressasse seu momento histórico e as aspirações dos revolucionários. A atividade intelectual não passa, assim, de mera propaganda política. É o fim da autonomia da inteligência e da fé na busca da verdade, condições mesmas para o exercício intelectual.

É fácil perceber que para a conquista da hegemonia as esferas da cultura e da educação ganham um peso considerável, devendo ocorrer uma verdadeira “guerra de posições”, como notou um marxista notório. Leandro Konder5 nos lembra que:

“(...) Nenhum marxista antes de Gramsci havia reconhecido uma importância política tão grande na batalha das idéias, nos conflitos culturais. Para o teórico italiano, o avanço e a consolidação do movimento dos trabalhadores, numa sociedade de tipo “ocidental”, depende de uma sempre difícil “guerra de posições”, depende de um bom planejamento, de uma eficiente organização, quer dizer, depende de conhecimentos, necessita de uma sólida preparação.

Ao contrário da “guerra de movimentos”, que se faz muitas vezes com manobras súbitas de pequenos grupos, com ações fulminantes de minorias (agindo em nome da maioria), que se serve de golpes de mão, a “guerra de posições” exige a participação ampliada, a construção do consenso.

Na “guerra de posições” cada avanço precisa ser bem calçado. A mobilização só pode ser suficientemente profunda e ter efeitos duradouros se puder se apoiar em consciências coesas e articuladas, em um pensamento rigoroso e lúcido. A transformação da sociedade, nas condições da complexidade moderna, não poderá seguir um caminho revolucionário se não aproveitar as lições proporcionadas pelos duelos da política cultural.

Em outras palavras, para passar da rebeldia à revolução, da contestação à construção de alternativas, a perspectiva com que os socialistas enfrentam os combates que travam pelo fortalecimento da “sociedade civil” necessita de instrumentos teóricos e de uma competência argumentativa que só poderão ser desenvolvidos no campo de batalha da cultura.

E Gramsci dá indicações metodológicas preciosas para a ação revolucionária nesse campo (...).”

Na educação, por mais que seus fãs tentem mostrar o contrário, Gramsci está mais preocupado em formar futuros intelectuais orgânicos do que em formar homens de verdade. Sua pedagogia é pura doutrinação e sua influência pode ser constatada principalmente nas obras de Paulo Freire6 e na educação de adultos empreendida pelo MST. Um texto, escrito a quatro mãos (!)7, nos diz:

A temática pedagógica ocupa um caráter não secundário na experiência vivida e no pensamento de Antonio Gramsci, seja como interesse educativo imediato a nível individual, ou como luta política pela organização da cultura em nível de massa.

“A preocupação educativa em Gramsci é verificada concretamente através de seus escritos no cárcere. Ele exprime interesse pela educação quando afirma em uma carta à sua esposa: “A questão escolar interessa-me muitíssimo” (Manacorda, 1990, p.15). Ele mesmo ressalta o vínculo objetivo entre pedagogia e política, quando sublinha que "essa relação (pedagógica) existe em toda a sociedade, no seu conjunto”, ou quando coloca a escola como uma atividade essencial no futuro (ibid).

“Segundo o pensamento de Gramsci, é fundamental o processo de educação das massas para que estas possam se inserir de modo ativo e consciente na vida política. Para ele, a atividade de educação das massas é realizada sobretudo através da mediação dos “intelectuais”, isto é, dos indivíduos que organizam e difundem a concepção de mundo de uma classe social que, emergindo no terreno da produção econômica, procura exercer o seu governo sobre a sociedade. Como “funcionários” de uma determinada classe social, são eles que realizam as funções subalternas da hegemonia social, procurando obter o consentimento das grandes massas ao domínio político da classe social à qual estão organicamente vinculados.

Gramsci considera a escola a principal agência, na sociedade civil, de formação de intelectuais. De modo especial, preocupa-lhe a preparação de intelectuais de novo tipo, organicamente ligados às classes subalternas, para que possam influir no processo da hegemonia civil, educando e formando os “simples”, ou seja, elaborando e tornando coerentes os problemas que as massas populares apresentam em sua atividade prática para, assim, constituir um novo “bloco cultural e social”. É dentro dessa linha de raciocínio que Gramsci discute a organização da escola, pois a considera uma das mais importantes instituições que movimentam o conteúdo ético estatal, isto é, das ideologias que circulam na sociedade civil seja com a finalidade de legitimar o grupo dominante tradicional, ou de lutar contra ele para fundar uma nova sociedade”.

Prosseguem as referidas autoras, agora sobre o papel do professor:

“A reforma da escola de que necessitamos passa pela presença desta figura maiúscula do intelectual construtor, organizador, persuasor permanente, que, da técnica-trabalho, consegue chegar à técnica-ciência e à concepção humanista histórica, rompendo assim com a condição de “especialista” e tornando-se “dirigente”, isto é, um especialista mais político.

É, portanto, tarefa política dos programas de formação continuada promover a “reforma intelectual e moral” dos professores. Isso consiste em elaborar uma filosofia que, partindo do “senso comum” dos mesmos e ligada à vida prática das massas, mesmo que de forma implícita, tenha possibilidade de difusão, tornando-se um sendo comum renovado”.

(...)“O “intelectual docente” deverá ter uma instrução permanente, decorrente das estruturas organizativas das academias e universidades, não podendo sofrer “descontinuidade” entre os níveis: elementar, médio e superior. Nesse processo de instrução permanente, deve-se formar um novo intelectual, preocupado e militante da política, do sindicato, do bairro e da comunidade e sociedade a qual está inserido”.

A pedagogia gramsciana está preocupada em formar Boffs, Bettos, Saders, Stédiles e Chauís, entre outros. O ideal intelectual do intelectual gramsciano é ser um pseudo-intelectual. É formar homens medíocres que, incapazes de aceitar a vida ordinária e o próprio fracasso como o faz a maioria dos homens comuns, querem alterar a realidade para ver se assim conseguem ser importantes.. Esses homens, na maioria provenientes da classe-média, não estão preocupados com os pobres, querem apenas realizar seus delírios de grandeza. São, como disse Voegelin8, analfabetos funcionais com forte desejo de engrandecimento... Gramsci, ao invés de querer despertar as possibilidades latentes na alma dos indivíduos, quer aprisioná-los no mundo da ideologia, limitar-lhes os horizontes, mantê-los presos para sempre na mesquinhez da consciência de classe. Não é por acaso que faz sucesso na pedagogia brasileira. Vejam o que propõe para o ensino básico9:

"O primeiro grau elementar não deveria ultrapassar três, quatro anos e, ao lado do ensino das primeiras noções “instrumentais” da instrução (ler, escrever, fazer contas, geografia, história), deveria desenvolver notadamente a parte relativa aos “direitos e deveres”, do Estado e da sociedade, como elementos primordiais de uma nova concepção do mundo que entra em luta contra as concepções determinadas pelos diversos ambientes sociais tradicionais, ou seja, contra as concepções que poderíamos chamar de folclóricas*”. (*Folclore é a mesma coisa que senso comum).

Quanto mais jovem melhor... Mas a influência de Gramsci não se limita apenas à pedagogia. É dele também a idéia de “centro” e “periferia”, que influencia as relações internacionais e a sociologia, e a noção de “cultura popular”, que, misturada com o nacionalismo, gera mais confusão que cultura de qualidade. Pode-se notar, ainda, a influência de Gramsci na Escola de Frankfurt e nos trabalhos de Althusser e Edward Said. Alguns autores10, estrangeiros principalmente, também vêem Gramsci como o pai teórico da Nova Ordem Mundial e da perestroika, esta entendida como uma virada estratégica rumo à dominação mundial através de uma lenta revolução cultural encabeçada pelo ecologismo. Isso é importante quando lembramos que Gramsci (e todo marxista) via o marxismo como uma filosofia capaz de criar, através da luta cultural, uma nova concepção global do mundo e uma nova “vontade coletiva”, baseada na igualdade e no pacifismo. O ecologismo, no caso, representaria o interesse da humanidade, o “bem-comum”, e, em nome desse bem-comum, lentamente o coletivo se imporia sobre o individual, o mundialismo sobre o nacionalismo, o império da lei mundial sobre a lei local. Essa hipótese, ainda que ignorada pelos estudiosos acadêmicos das relações internacionais, não deve ser desprezada, principalmente após constatarmos que Gorbatchov tornou-se um militante ecológico11.