Thursday, May 18, 2006

Il gobbo visto por alguns de seus fãs brasileiros e o resumo do problema que enfrentamos

"Nos últimos vinte anos, o italiano Antônio Gramsci foi, certamente, um dos autores estrangeiros mais lidos e debatidos no Brasil. Deveu-se a ele, em grande parte, a renovação do pensamento marxista entre nós, renovação que tornou possível conservar vivo o legado de Marx numa época marcada pela ofensiva das correntes neoliberais e conservadoras. E a influência de Gramsci não se limitou ao terreno da política: suas instigantes categorias ingressaram também na Universidade, tornando-se referência obrigatória para os estudiosos de quase todos os campos das ciências sociais, particularmente os da pedagogia e do serviço social."

Carlos Nelson Coutinho, no artigo Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil, influência no Serviço Social, publicado em http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv18.htm

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"Nas notas constantes desse quarto tomo dos “Cadernos”, manifesta-se o tempo todo a convicção de que a luta pela hegemonia é longa e complexa, não pode esperar a conquista do Estado para ser travada, exige o fortalecimento do poder de persuasão por parte dos revolucionários, precisa de um bom embasamento teórico e suas vitórias decisivas passam pela esfera da cultura.

Nenhum marxista antes de Gramsci havia reconhecido uma importância política tão grande na batalha das idéias, nos conflitos culturais. Para o teórico italiano, o avanço e a consolidação do movimento dos trabalhadores, numa sociedade de tipo “ocidental”, depende de uma sempre difícil “guerra de posições”, depende de um bom planejamento, de uma eficiente organização, quer dizer, depende de conhecimentos, necessita de uma sólida preparação.

Ao contrário da “guerra de movimentos”, que se faz muitas vezes com manobras súbitas de pequenos grupos, com ações fulminantes de minorias (agindo em nome da maioria), que se serve de golpes de mão, a “guerra de posições” exige a participação ampliada, a construção do consenso.

Na “guerra de posições” cada avanço precisa ser bem calçado. A mobilização só pode ser suficientemente profunda e ter efeitos duradouros se puder se apoiar em consciências coesas e articuladas, em um pensamento rigoroso e lúcido. A transformação da sociedade, nas condições da complexidade moderna, não poderá seguir um caminho revolucionário se não aproveitar as lições proporcionadas pelos duelos da política cultural.

Em outras palavras, para passar da rebeldia à revolução, da contestação à construção de alternativas, a perspectiva com que os socialistas enfrentam os combates que travam pelo fortalecimento da “sociedade civil” necessita de instrumentos teóricos e de uma competência argumentativa que só poderão ser desenvolvidos no campo de batalha da cultura.

E Gramsci dá indicações metodológicas preciosas para a ação revolucionária nesse campo."

Leandro Konder, Gramsci e a crítica da modernidade. Jornal do Brasil, 2 jun. 2001. Caderno Idéias-Livros, p.8 ; disponível em http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv163.htm

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Entrevista de Carlos Nelson Coutinho, realizada por Maurício Santana Dias, e publicada pela Folha de S. Paulo. Alguns depoimentos de pseudo intelectuais brasileiros; passagens de um artigo de Sérgio Paulo Rouanet. Fonte: Folha de S. Paulo. Caderno Mais!, 21 nov. 1999.
Disponível em
http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=326

Folha - Em fins dos anos 60, grande parte da esquerda radicalizou suas ações contra o regime militar e partiu para a luta armada -- sob a influência de Mao, Trotski e Fidel Castro. Isso teria contribuído para o "pé atrás" em relação às teorias gramscianas?

Coutinho - Muito provavelmente. Gramsci propunha algo diverso: para ele, em países mais complexos socialmente, como já era o caso do Brasil naquele momento, a estratégia era outra. Em vez da luta armada, da "guerra de movimento", devíamos adotar a "guerra de posição", a luta progressiva pela hegemonia etc. O PCB até fazia isso, mas o fazia tão mal que era difícil convencer quem não fosse um disciplinado militante. Assim, num terreno marcado pela disputa entre Mao, Fidel e Brejnev, não havia nenhum lugar para Gramsci, o que foi péssimo para a esquerda brasileira. Só no final dos anos 70 é que Gramsci voltou a ser lido e a ter influência. Isso ocorreu sobretudo porque, naquele momento, entraram em crise tanto o "sovietismo" do PCB quanto as ilusões da chamada "esquerda armada".

Folha - Em que medida os conceitos gramscianos de "hegemonia" e "sociedade civil" renovaram o pensamento marxista?

Coutinho - Foi principalmente por causa deles que o marxismo se tornou contemporâneo do século 20 e, espero, também do século 21. Gramsci percebeu que, a partir da segunda metade do século 19, havia surgido uma nova esfera do ser social capitalista: o mundo das auto-organizações, do que ele chamou de "aparelhos privados de hegemonia". São os partidos de massa, os sindicatos, as diferentes associações -- tudo aquilo que resulta de uma crescente "socialização da política". Ele deu a essa nova esfera o nome de "sociedade civil" e insistiu em que ela faz parte do Estado em sentido amplo, já que nela têm lugar evidentes relações de poder. A "sociedade civil" em Gramsci é uma importante arena da luta de classes: é nela que as classes lutam para conquistar hegemonia, ou seja, direção política, capacitando-se para a conquista e o exercício do governo. Ela nada tem a ver com essa coisa amorfa que hoje chamam de "terceiro setor", pretensamente situado para além do Estado e do mercado.

Ao descobrir essa nova esfera, ao dar-lhe um nome e ao definir seu espaço, Gramsci criou uma nova teoria do Estado. O Estado, para ele, não é mais o simples "comitê executivo da burguesia", como ainda é dito no Manifesto Comunista, mas continua a ser um Estado de classe. Contudo, o modo de exercer o poder de classe muda, já que o Estado se amplia graças à inclusão dessa nova esfera, a "sociedade civil". Buscar hegemonia, buscar consenso, tentar legitimar-se: tudo isso significa que o Estado deve agora levar em conta outros interesses que não os restritos interesses da classe dominante. Com isso, Gramsci chegou a compreender o tipo de Estado que é próprio dos regimes liberal-democráticos, um Estado bem mais complexo do que aquele de que falam Marx e Engels no Manifesto ou Lenin e os bolcheviques no conjunto de sua obra.

Folha - Os cadernos foram escritos antes que houvesse TV, Internet, mídia eletrônica -- o que se tem chamado de "quarto poder". Como um gramsciano avaliaria a emergência desse novo fenômeno?

Coutinho - Na medida em que o mundo da mídia continua a ser propriedade privada de pequenos grupos da classe dominante, isso provoca um indiscutível desequilíbrio na disputa pela hegemonia. A nova mídia eletrônica, sobretudo a TV, tem um peso inegável na formação da opinião pública, na construção da cultura que está na base das relações de hegemonia. Mas essa nova mídia também está imersa na sociedade civil e sofre sua influência. Lembro que, na campanha pelas Diretas-já, em 84, a Globo começou simplesmente ignorando o movimento. Mas, a partir de um certo momento, à medida que a campanha se tornava de massa, não só foi pressionada a "repercutir" a campanha, mas até mesmo assumiu um tom simpático a ela.

Também aqui, portanto, trata-se de lutar pela conquista de espaços no interior da mídia, o que significa lutar por sua efetiva democratização. Isso implica não só uma pressão da opinião pública, mas também a elaboração de uma legislação adequada, que desprivatize o controle da mídia e o torne efetivamente público. Isso não é sinônimo de estatização, mas sim de controle efetivo pela sociedade civil. Se o rádio e a televisão são uma concessão pública, devem evidentemente ser publicamente controlados. Em suma, um gramsciano veria o mundo da mídia como mais um espaço de luta pela hegemonia. Nesse sentido, ele estaria mais próximo de Benjamin, que supunha ser possível utilizar revolucionariamente a "reprodutibilidade técnica" da cultura, do que de Adorno e Horkheimer, que condenam em bloco o que chamam de "indústria cultural".

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JOSÉ GENOÍNO, deputado federal (PT-SP): "Gramsci é uma referência importante para o pensamento de esquerda, um dos que mais contribuíram para renovar o marxismo neste século, tendo introduzido o conceito de "hegemonia" -- em oposição à idéia de "assalto ao poder". Alguns pontos estão superados, como as bases do dogmatismo marxista. A esquerda tem de ter uma relação de independência com esses textos, tomá-los como referência para uma releitura diante de um novo contexto. A cultura da esquerda em nosso país é muito fraca. Essa publicação ajudará a melhorar a qualidade do debate."

FREI BETTO, frade dominicano e escritor: "Considero Gramsci mais atual que nunca, porque foi dos poucos teóricos a tratar a questão da subjetividade e da cultura no processo histórico. A queda do Muro de Berlim, a meu ver, resultou do fracasso de se tentar construir coisa nova com material velho. A proposta era boa, conseguiu criar direitos sociais razoavelmente igualitários, porém não se trabalhou a questão da subjetividade e sua expressão na formação da sociedade civil e da democracia. Particularmente me encanta em Gramsci a ótica despreconceituosa diante do fenômeno religioso, o que é raro nos teóricos marxistas da primeira metade do século."

SERGIO PAULO ROUANET, A democracia cosmopolita

" No início dos anos 60, um conhecido filósofo marxista disse que era preciso "gramscianizar" o Brasil. Pouco tempo depois, seus sonhos mais ambiciosos tinham sido ultrapassados pela realidade. Seria um exagero dizer que o Brasil tinha se "gramscianizado", mas o certo é que da noite para o dia quase toda a esquerda brasileira começou a usar expressões como "intelectual orgânico", "bloco histórico" e "hegemonia".

(...)É nesse momento que aparece Gramsci, dizendo que a classe operária só poderia chegar ao poder depois que os intelectuais tivessem logrado dissolver a hegemonia existente. Graças a Gramsci, os intelectuais recebiam uma missão, a de difundir uma nova concepção do mundo; um cargo, o de "funcionários da superestrutura"; e um espaço de atuação, a sociedade civil, atravessada por instituições como a família, a Igreja, a escola, a universidade, o jornalismo, o rádio e a televisão."